Quanto pesa um «arraso» num clássico?

O que tem o percurso de Rui Vitória como treinador em comum com os de Bobby Robson, António Oliveira, Carlos Carvalhal, Carlos Queiroz, Fernando Santos, Augusto Inácio, Marco Silva, Jesualdo Ferreira, Toni ou Jorge Jesus, entre muitos outros? Bem, a partir do último domingo, o técnico do Benfica passou a integrar o grupo dos que já sofreram derrotas pesadas em clássicos, por três golos de diferença, ou mais. Definindo por clássico todas as combinações de jogos entre Benfica, Sporting e FC Porto, fomos olhar ao que aconteceu nas últimas 30 épocas. O objectivo: tentar perceber alguma coisa do impacto que um resultado tão negativo tem sobre as carreiras da equipa e do treinador que o sofrem. 

As contas são estas: além do dérbi do passado domingo, houve mais 25 clássicos, de 1986 para cá, que terminaram com três golos de diferença ou mais. Desses, 16 foram para a Liga e nove para provas a eliminar – Taça, Taça da Liga e Supertaça, com três cada. 

Mortimore e Inácio, exceções à regra dos três golos 
A primeira constatação não surpreende: é muito raro que uma equipa acabe por conquistar o campeonato depois de sofrer uma derrota tão pesada. Mas há exceções, claro: a mais famosa de todas, aconteceu na temporada 1986/87, quando o Benfica, depois de perder 7-1 (!) em Alvalade embalou para a conquista do título e da Taça, graças a uma sequência de 23 jogos sem derrota, no terreno. O treinador era John Mortimore, mas não teve direito a happy end já que acabou por ser dispensado, mesmo com a dobradinha. 
 
A outra exceção notável à regra dos três golos foi protagonizada pelo Sporting, em 1999/2000. Então comandados por Augusto Inácio, que tinha sucedido ao italiano Materazzi, os leões viviam ainda um início de época atribulado. A derrota por 3-0 nas Antas, diante do FC Porto, à 9ª jornada, em outubro, parecia deixá-los fora do título, em sexto lugar a cinco pontos do líder. Mas esse foi o ponto de viragem: a partir daí a equipa esteve 28 jogos sem perder e acabou por conquistar o título, ao fim de 18 anos de jejum. 
Houve mais três casos em que o campeão sofreu derrotas pesadas em clássicos, nesse ano, mas foram situações especiais: em 2008/09, o FC Porto, comandado por Jesualdo Ferreira, perdeu por 4-1 em Alvalade, para a Taça da Liga, em Fevereiro. Mas essa era uma competição assumidamente desvalorizada pela estrutura portista: em Alvalade, jogou um onze à base de suplentes, e nessa época o FC Porto acabou por conseguir a dobradinha – e Jesualdo continuou no cargo por mais um ano. 
Em 1997/98, o FC Porto foi batido por 3-0 na Luz, para a Liga, mas numa altura em que já era matematicamente campeão, a duas jornadas do fim. O técnico António Oliveira viria a sair nesse verão, também com a dobradinha conquistada. Por fim, no final da época 1995/96, e já com o título conquistado, o FC Porto de Bobby Robson foi batido pelo Sporting (3-0) na decisão da Supertaça. O técnico inglês já estava de saída para Barcelona. 
 
O caso JJ: sucesso resistiu a um 5-0 no Dragão 
 
 
Excluindo esses cinco casos, sobram outros 20 em que a equipa derrotada não conseguiu inverter a tendência negativa simbolizada por uma derrota pesada. Jorge Jesus que o diga: ele, que no domingo impôs ao Benfica um dos maiores desaires caseiros na história dos dérbis, sobreviveu no cargo a um devastador 5-0 no Dragão – um jogo que condenou o Benfica a uma época 2010/11 de insucesso. Mas como esse jogo veio no seguimento da conquista do título, esse lastro de confiança permitiu-lhe bater um recorde de estabilidade: depois da goleada, Jorge Jesus ainda permaneceu no banco do Benfica mais quatro anos e meio, acabando por conquistar os títulos que se sabem. 
 
 
Mas, uma vez mais, essa é exceção: dos 25 casos de derrota pesadas nos últimos 30 anos, só 11 vezes os treinadores que as sofreram começaram a época seguinte. No pólo oposto, é verdade que apenas uma vez a derrota provocou diretamente a saída do cargo – aconteceu com Augusto Inácio depois dos 3-0 diante do Benfica, em 2000/01, num processo rocambolesco que envolveu também a saída simultânea do Benfica do técnico vencedor, José Mourinho. 
 
Outra ideia importante: nem sempre a equipa consegue reagir da melhor forma – só em menos metade dos casos (12, mais precisamente) depois da derrota a doer a equipa conseguiu responder com uma vitória no jogo seguinte. Um dado especialmente importante para Rui Vitória, dado o difícil ciclo de jogos que espera o Benfica no próximo mês (Tondela, Galatasaray, Boavista e… Sporting). 
 
Atenção: quem arrasa em clássicos nem sempre é feliz .
Vendo o filme pelo lado oposto, o que significa uma vitória robusta num clássico para as equipas que a conseguem? Pois aqui os números surpreendem já que, nos últimos 30 anos, apenas em oito ocasiões um arraso ao rival num clássicos resultou na conquista do título. Jorge Jesus viveu a experiência dos dois lados da barricada: a vitória por 3-0 na Taça da Liga, sobre o FC Porto de Jesualdo Ferreira, em 2010, prenunciou a conquista do título pelos encarnados. Oito meses mais tarde, a derrota destes por 5-0, no Dragão, anunciou aos adeptos a temporada de sucesso absoluto do FC Porto de André Villas-Boas. 
Da mesma forma, a vitória de 4-1 do FC Porto, de Mourinho, sobre o Sporting, de Fernando Santos, embalou os dragões para uma histórica temporada 2003/04, que culminou com a conquista do título e da Liga dos Campeões. E, dez anos antes, o Benfica, com Toni ao comando, tinha conseguido na Luz uma das vitórias mais emblemáticas da história dos dérbis, que não só entrou para a história graças à magia de João Pinto como fez com que o título de campeão em 1994 mudasse de lado na segunda circular. 
 
Todos os clássicos «de três golos», de 1986 para cá 
 
Benfica-Sporting, 0-3 (Liga, outubro de 2015) 
Vencedor: Jorge Jesus 
Vencido: Rui Vitória 
 
FC Porto-Sporting, 3-0 (Liga, março de 2015) 
Vencedor: Lopetegui 
Vencido: Marco Silva 
 
FC Porto-Benfica, 5-0 (Liga, novembro de 2010) * 
Vencedor: André Villas-Boas 
Vencido: Jorge Jesus 
 
Benfica-FC Porto, 3-0 (Taça da Liga, março de 2010) * 
Vencedor: Jorge Jesus 
Vencido: Jesualdo Ferreira 
 
Sporting-FC Porto, 3-0 (Liga, fevereiro de 2010) 
Vencedor: Carlos Carvalhal 
Vencido: Jesualdo Ferreira 
 
Sporting-Benfica, 1-4 (Taça da Liga, fevereiro de 2010) * 
Vencedor: Jorge Jesus 
Vencido: Carlos Carvalhal 
 
FC Porto-Sporting, 5-2 (Taça, fevereiro de 2010) 
Vencedor: Jesualdo Ferreira 
Vencido: Carlos Carvalhal 
 
Sporting-FC Porto, 4-1 (Taça da Liga, Fevereiro 2009) ** 
Vencedor: Paulo Bento 
Vencido: Jesualdo Ferreira 
 
FC Porto-Sporting, 3-0 (Liga, novembro de 2004) 
Vencedor: Victor Fernández 
Vencido: José Peseiro 
 
FC Porto-Sporting, 4-1 (Liga, setembro de 2003) * 
Vencedor: José Mourinho 
Vencido: Fernando Santos 
 
Sporting-Benfica, 3-0 (Liga, abril de 2001) 
Vencedor: Manuel Fernandes 
Vencido: Toni 
 
FC Porto-Benfica, 4-0 (Taça, janeiro 2001) 
Vencedor: Fernando Santos 
Vencido: Toni 
 
Benfica-Sporting, 3-0 (Liga, dezembro de 2000) 
Vencedor: José Mourinho 
Vencido: Augusto Inácio 
 
FC Porto-Sporting, 3-0 (Liga, outubro de 1999) ** 
Vencedor: Fernando Santos 
Vencido: Augusto Inácio 
 
Benfica-FC Porto, 3-0 (Liga, maio de 1998) ** 
Vencedor: Graeme Souness 
Vencido: António Oliveira 
 
Sporting-Benfica, 1-4 (Liga, fevereiro de 1998) 
Vencedor: Graeme Souness 
Vencido: Carlos Manuel 
 
Benfica-FC Porto, 0-5 (Supertaça, setembro de 1996) * 
Vencedor: António Oliveira 
Vencido: Paulo Autuori 
 
Sporting-FC Porto, 3-0 (Supertaça, abril de 1996) ** 
Vencedor: Octávio Machado 
Vencido: Bobby Robson 
 
FC Porto-Benfica, 3-0 (Liga, novembro 1995) * 
Vencedor: Bobby Robson 
Vencido: Mário Wilson 
 
Sporting-Benfica, 3-6 (Liga, maio de 1994) * 
Vencedor: Toni 
Vencido: Carlos Queiroz 
 
FC Porto-Sporting, 3-0 (Liga, maio de 1989) 
Vencedor: Artur Jorge 
Vencido: Manuel José 
 
FC Porto-Benfica, 3-0 (Liga, junho de 1988) * 
Vencedor: Tomislav Ivic 
Vencido: Toni 
 
Benfica-Sporting, 4-1 (Liga, março de 1988) 
Vencedor: Toni 
Vencido: António Morais 
 
Benfica-Sporting, 0-3 (Supertaça, dezembro de 1987) 
Vencedor: Keith Burkinshaw 
Vencido: Toni 
 
Sporting-Benfica, 7-1 (Liga, dezembro de 1986) ** 
Vencedor: Manuel José 
Vencido: John Mortimore 
 
Benfica-Sporting, 5-0 (Taça, março de 1986) 
Vencedor: John Mortimore 
Vencido: Manuel José 
 
* A equipa vencedora foi campeã nesse ano 
** A equipa perdedora foi campeã nesse ano